Uma
vez ganha à eleição presidencial de 2014, o Partido dos Trabalhadores (PT) terá
que promover mudanças tão inúmeras quanto difíceis quanto díspares entre si
para almejar se manter no poder no próximo pleito de 2018. Entre elas, dialogar
politicamente com a sua base para impor sua agenda; promover mudanças no seio
da política econômica para colocar novamente o Brasil na rota de crescimento econômico,
com redução da inflação que corrói o poder aquisitivo dos mais pobres, e já
irrita volúvel humor da classe média, correndo o risco de ter que fazer uma
política ortodoxa, e um ajuste fiscal (menos gasto público e/ou mais imposto)
que seja cirúrgico na medida para não desempregar, e ao mesmo tempo fazer o
país crescer, além de ter que lançar mão de uma maior taxa de juros (já em
11,25% ao ano) para conter a inflação, o que implica em desmerecer o
investimento produtivo no emprego e na renda. Dizem que é o que Lula defende:
uma política ortodoxa (política econômica, portanto, à direita) atrelado a uma
maior aproximação com os movimentos sociais e com a sociedade (política à
esquerda).
A
Presidente Dilma e o seu governo vão ter que provar de sua virtu[1]
ou de sua fortuna[2],
principalmente na questão política, para neutralizar os insurgentes da base
aliada e do PMDB, além de compor com novos autores, mas, sem colocar o risco de
uma guinada à direita com um forte ajuste fiscal. Será que por ter conseguido
renovar com tamanha dificuldade a sua estadia no poder, será mais fácil mantê-lo? Parece-nos ponto
pacífico que o primeiro governo, por ter se conquistado com o aval de Lula, e com
mais facilidade (mais de 12 milhões de votos de diferença), foi constatar o acerto
do diagnóstico de O Príncipe de
Maquiavel, pois, se foi fácil conquistar o poder, foram inúmeros os desacertos
e as contendas para mantê-lo, já que a manutenção exige mais “virtu” do que a fortuna de conquistá-lo.
Por
isso, fazendo um ensaio de imaginação e crítica. Parece-nos que as “quatro
regras”[3] (na verdade são cinco, sendo a última, não
deixar o Estado ser invadido por forasteiro poderoso) guardadas às devidas
proporções, de Maquiavel para se manter um principado de costumes diferentes,
podem ser aplicadas à forma como o governo Dilma conduziu à política. Claro,
que o Brasil não é um principado, e sim uma República, mas, que é uma nação com
costumes e porque não, até expressões lingüísticas[4] diferentes,
isto é. O Brasil é uma grande federação, onde se tem impressão clara e direta
de quão é diferente quando se está no Sudeste ou no Nordeste ou ainda no Sul.
Costumes diferentes, expressões, por isso, o Brasil é tão rico em sua cultura. E
tão dividido, também, que não chega a ser mecanicamente uma divisão geográfica,
mas, é considerável o peso desta distinção geográfica, por também, ser
histórica, que irrompe nas decisões e na disputa política a cada pleito e nas
decisões cotidianas.
Por
isso vamos aos quatro remédios: o primeiro é residir no lugar, e isto nos parece
óbvio, porém, diferente do governo Lula, o governo Dilma, apesar de estar
fisicamente no Planalto, não ocupou o noticiário, não ocupou parte da
comunicação cultural, social e política. A não ser quando ocupava de forma
negativa, com a deposição de ministros por suspeita de corrupção; denúncias de
corrupção em estatais; brigas com a base aliada, mostrando a fragilidade
política do governo, como foi o caso da derrota no Código Florestal na Câmara
de Deputados em 2011. Ou seja, somente o aparato da comunicação institucional e
oficial não é suficiente; é uma comunicação fria e mecânica, portanto, quando
em decorrência das jornadas de Junho de 2013, como havia um vácuo ideológico e
de comunicação, seu governo foi abalado, não somente no sentimento capturado
pelas pesquisas de opinião, mas, no senso comum, o que é perigoso. Parece-nos
também de bom tom, com ações e com comunicação adequada, que não se restrinja
apenas ao marketing político, disputar
a hegemonia cultural, com provas concretas e práticas da refundação moral do
governo, e principalmente do Partido dos Trabalhadores que está com sua imagem
moral, real e política muito desgastada na sociedade e nos formadores de opinião.
Tanto que ultrapassou o campo da direita e dos meios de comunicação e foi para
a opinião de massa, para o senso comum, por isso, uma vitória em uma eleição com
pouco mais de três milhões de votos.
O
segundo remédio ou recurso (manter colônias de confiança no Estado conquistado)
- teremos que abrir mão, pois, não se aplica diretamente, neste caso. Mas, em
um esforço crítico para adaptá-lo, sabendo da distância entre o tema e
realidade, podemos lançar mão da questão da reforma agrária. O governo Dilma
foi o que governo em que menos houve assentamento de terra (até menos comparado
com o governo FH), o que é preocupante, pois, gera tensão no campo e na cidade,
já que a especulação imobiliária nas grandes cidades e os problemas de
mobilidade geram uma insatisfação nas demandas urbanas e de moradia que o Minha Casa e Minha Vida não conseguem se
credenciar estritamente como políticas adequadas e exclusivas. A reforma
agrária, prevista na Constituição, já que a primazia da propriedade possui uma
função social em detrimento de sua esfera privada ajudaria na repactuação no campo, já que
este tema não está sendo tratado devidamente, e, sim, arrolado, o que em algum
momento, já descamba para um estopim. Parece-nos que mesmo esta adequação é
plausível, uma vez que garante por mais longo prazo a estabilidade na questão
da política habitacional e agrária do governo. Afinal, este é um ponto crucial
de qualquer governo e da ordem social.
Ainda
mais, o imposto progressivo (IPTU) para terrenos e prédios abandonados, além de
combater a especulação imobiliária, é uma política coercitiva junto com a
política de habitação mais adequada para se derrocar a desmedida especulação
nas transações imobiliárias que faz com que os mais pobres tenham que lançar
mão de uma moradia senão precária, distante do centro das metrópoles. Outro ponto,
poderia se pensar em tirar o condicionamento do reajuste dos imóveis ao IGP-M,
que é um imposto atrelado a commodities
como o ferro, e criar um índice específico para controlar o reajuste abusivo
dos aluguéis de imóveis. São todas essas políticas que para além dos decretos e
atos administrativos precisam ser debatidos e aprovados no congresso, para se virar
uma política macro de Estado. Tais políticas fazem com que a incorporação das
classes mais baixas se eleve de fato ao Estado, como cidadão e dentro da suas
prerrogativas de direito, previstos na Constituição do Estado Social
Brasileiro.
O
terceiro recurso é tornar-se chefe das nações vizinhas. Apesar de o Brasil
manter uma relativa liderança na América do Sul, talvez possa se avançar neste
aspecto, uma vez que o Brasil talvez o seja no momento mais pela fortuna, do que pela iniciativa. Até
pela condição econômica na Argentina (o real está valendo cinco pesos no câmbio
paralelo), na crise política e econômica na Venezuela de Maduro, e na Aliança do
Pacífico (com Chile, Peru, Colômbia e México) que procura em certa medida
servir de contraponto ao Mercosul. Portanto, este ponto, dá-se a impressão que
houve uma estagnação.
Sobre
o quarto: enfraquecer os poderosos da “província”, o Governo Dilma passou o
primeiro mandato às voltas com o PMDB, chegando a ponto de o partido aliado
comandar as duas casas legislativas na segunda metade do mandato, e com a
ameaça dessa condição se estender no início do segundo mandato. Além disso,
fortaleceu-se um Partido não tão grande, mas, longe de ser pequeno, como o PSB,
adiantando um projeto de poder do então governador de Pernambuco Eduardo Campos,
que fortalecido após as eleições municipais de 2012 (após confusão interna do
PT em decidir o candidato à prefeitura de Recife), ganhou a prefeitura de sua
capital, e em cidades importantes, como Campinas, com o apoio do Senador Aécio
Neves. Além disso, tamanho foi o insulto do PT ao PSB – que à época tinha
cargos e ministério no governo, que não teve outro jeito para o Partido
Socialista Brasileiro a não ser adiantar o seu projeto de poder, mesmo
incipiente de 2018 para 2014, mesmo sabendo que seria mais para marcar posição.
Houve tamanha falta de habilidade política do governo Dilma e do PT. Observemos a
não coincidência de estes acontecimentos terem ocorrido após a saída de Lula e
o vazio e o vácuo não ocupado pela política. Não se pode negligenciar a
política. Preocupou-se tanto em desidratar a oposição (a criação do PSD de
Kassab para minguar o DEM), que se esqueceu de que não poderia fortalecer por
demasiado seus aliados.
Mas,
ao sabor dos ventos, uma coisa é certa. Para além de regras e esquemas, estes são
apenas tendências e recursos a serem utilizados, e, sobretudo dois movimentos
se fazem mais que necessários: uma política forte por parte do Governo, para
impor a agenda, assim, como um plano de comunicação e a disputa pelo bloco
histórico e hegemônico. Mas, não de forma mecânica, e sim, de forma gradativa, dia
após dia, onde a comunicação ideológica e de propaganda talvez seja o mais
difícil, pois se sabe que assim, como os homens são fáceis de serem persuadidos,
assim, são também difíceis para aceitar a seguir uma ideia. Talvez, por isso,
como um sintoma (compreensão da verdade[5])
da apreensão do diagnóstico do problema cujo desafio lhe espera, o PT na última
resolução da executiva tenha registrado a necessidade de ser “urgente
conquistar a hegemonia[6] na
sociedade.”[7] O
certo é que não compondo e refletindo acerca dos erros cometidos no primeiro
mandato, não se precisará nem explicitar o quinto remédio – não deixar o estado
ser ocupado por forasteiro poderoso. Pois, decerto e normalmente, a ruína da
política está mais para sujeito de sua ação do que para o objeto a ser manipulado
ou ainda para fatores externos, conforme disseca o filósofo florentino da
política real e tão viva desde Lorenzo de' Medici até a prática da política, hoje.
[1] Para além de
conceitos mecânicos e esquemáticos, podemos lançar mão de virtu como “todo o conjunto de qualidades, sejam elas quais forem, cuja
aquisição, o príncipe possa achar necessária a fim de manter se estado”in [1]
Nicolau Maquiavel, “Vocabulário de termos chave de Maquiavel”, in O
Príncipe, WMF Martins Fontes. (São Paulo, 2010). Pág: 196.
[2] Ibidem. “Fluxo
dos acontecimentos, entendido como o que perturba as ações e impede o cálculo.”
Podemos associá-la em grande síntese, ao acaso. Págs. 187-188.
[3] Nicolau
Maquiavel, “Dos principados Mistos”, in
O Príncipe, WMF Martins Fontes. (São
Paulo, 2010). Págs: 10-17.
[6] Revista Gramsci e o Brasil, em visita ao sítio http://www.gramsci.org.br. O conceito
gramsciano de hegemonia se contrapõe, nos Cadernos do cárcere, à idéia
de “dominação”. Somente numa fase tosca e primitiva é que se pode pensar numa
nova formação econômica e social como dominação de uma parte da sociedade sobre
outra. Na realidade, o que uma hegemonia estabelece é um complexo sistema de
relações e de mediações, ou seja, uma completa capacidade de direção. Gramsci
fornece uma série de exemplos históricos, em particular o da hegemonia dos
moderados na França do século XIX ou na Itália. Não haveria organização do
poder moderado somente com o uso da força. É um conjunto de atividades
culturais e ideológicas — de que são protagonistas os intelectuais — que
organiza o consenso e permite o desenvolvimento da direção moderada.
[7] Resolução
Política do PT publicada em 03/11/2014 no sitio http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2014/11/Resolu%C3%A7%C3%A3o-Pol%C3%ADtica.pdf.
Pág. 3.
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