Pular para o conteúdo principal

Crônica: A Obra Máxima e a verdade de Tião

E lá se foi Tião Herculano... Choro e vela, mas sem caixão e cadáver. Tião sumiu. Minguou-se. Tião era funcionário de serviço público de uma renomada empresa, mas ao passo de seus quase 30 anos de experiência e de um bom histórico como chamado chefe e pai de família e provedor da mesma, reparou e deparou-se todo dia no espelho com uma agonizante verdade que o acometia: Não era chefe de sua própria vida. Acusou o golpe – em sua briga fisiológica com sua consciência – de que sua vida era uma mentira. Pelo menos, não a verdade que ele queria para o que julgava como mentira de si mesmo.

Tião sumiu do mapa, da estratosfera e não respeitando a lei da gravidade, desertou de sua família, com quase 50 anos vividos. Levou dinheiro do banco – o suficiente para se manter economicamente por seis meses - mas deixou o suficiente para sua família, ditos mulher e único filho. Só que eles não queriam o dinheiro, que não servia nem para consolo afetivo. Queriam o chefe de família, o pai e o marido, para viverem suas vidas, como todos, em geral.

Após muita procura e pistas irrelevantes, com amigos, colegas do trabalho e rememorando os últimos dias, não se chegou a nenhum “veredicto” do porque Tião havia se condenado a um auto-exílio e de quebra (e põe quebra nisso), esfacelado afetiva e estruturalmente sua família.

Tião estava longe, da sua rotina, da suas obrigações e das suas afeições. Na véspera se entregou a um súbito, que lhe devorava todo santo dia, mas que lhe fazia viver e sentir como se estivesse no inferno. Ele tomou “coragem” e renegou tudo o que conquistara pelo que não havia conquistado pelo medo. Tião estava satisfeito. Ele sabia que o tempo era o senhor de tudo. E que bastaria alguns meses, para todos se acostumarem e rezarem sua partida. Quem sabe, alguns poucos anos, para o esquecerem. Seu plano era voltar dez anos depois - para se aposentar e viver a vida como queria e almejava há tanto -, com seu prognóstico que tudo ia melhorar, como na sua caixa de pandora. Tião, no entanto, só esqueceu-se de uma coisa. Ele não sabia mais o que era a escala de tempo, desde que “partiu”. E, como mais uma vez tomado pela coragem do medo, saiu-se de si, e percebeu que, como se olhando para o espelho, esqueceu-se de se convencer que tudo isso era à sua máxima obra de criação ficcional. Nunca, dez anos passaram-lhe tão rápido. Ele se esqueceu de convencer a si mesmo, que isso era verdade. Tião Herculano, não sabia mais o que era a verdade. Tião não sabia mais onde estava. Na verdade (e a única verdade de toda a ficção da cabeça de Tião), era que ele não sabia nem mais o que era e quem era, como se sua “consciência” padecesse de “morte morrida” de um tipo qualquer de endemia que acometesse seu cérebro e seu sistema de vida. Parece que ele padeceu do mesmo tipo de endemia que afeta, contemporânea e inconscientemente, a sociedade.

Comentários

  1. Pois é meu camarada, a vida é como uma obra de arte... muita das vezes não damos a mínima graça, porém ela possui um tremendo valor.

    - Na rima dos meus passos de segunda a segunda, de todo o meu cansaço,... retiro a minha liberdade do abismo que está preste a enlouquecer.
    Quem sabe dizer o que é exatamente esta liberdade, bem como o preço da sua felicidade, que sonhamos em todo amanhecer.?!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Poema: O Analfabeto Político (Bertolt Brecht)

"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo." Bertolt Brecht

Poema: CACAU

CACAU* O cacau Do sul, Da Bahia, Dos ilhéus, De Ilhéus, Dos grapíunas De Itabuna, Minguou. O cacau Antes Era ouro, Que, em todo estado, Sem exceção, Financiou. O cacau, Dono de sabor gostoso, Fruto com poupa e caroços melados, Suco maravilhoso, Que deleita o chocolate, E nos transforma em choco-loucos. Cacau era tudo, E o que foi derrocada dos coronéis, Foi à bancarrota das cidades, Do estado e do povo. Poderia ser a culpa de se ter uma só cultura, Mas, o cacau era economia, Uma Causa, trabalho e ganha-pão, De todos dessa, cacaueira, labuta. Cacau era tudo na região cacaueira, Era muda de riqueza, Hoje, é mudo de tristeza, De uma região, Que deve tudo ao cacau, Sua cultura, arte, paraísos, E turismo cacaueiral, Pelos romances de Jorge, Por tudo que lembra este fruto nobre, Ficará apenas a lembrança, E o gosto dos chocolates de porte, Ficará a esperança do cacau-ouro E da utopia de nova pujança, Seja pelo cacau clonado ou orgânico, Seja p...

Análise: Sobre a conjuntura do Brasil

De saída, se olharmos à conjuntura do Brasil, em meio à crise política do Executivo para com o Legislativo, e a mais agravante, do Executivo para com os representados, o povo e a sociedade civil; podemos elencar vários problemas. Em primeiro, há a questão econômica, que não obstante os recentes aumentos nos serviços básicos (transporte, gasolina e luz) e na alimentação, que já colocam o IPCA na casa dos quase 8% no período acumulado dos últimos doze meses, além do aumento da taxa básica de juros da economia (12,75%), já influem no humor, sobretudo, da classe média, cada vez mais conservadora, e ávida por manter o que conquistou nos últimos 12 anos. Em segundo, há a propaganda diária negativa com os casos de corrupção envolvendo a maior estatal brasileira, a Petrobrás. A perda ou a sensação de perda de bem-estar econômico desta classe média e da sociedade em geral, somada à massificação desta comunicação negativa, dão a impressão para o cidadão comum, se me permitem à seguinte tra...