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Artigo: Entre a Novela e o Novelo Histórico da Ditadura Militar

Quem diria que uma novela em um canal, que não ocupa o primeiro lugar de audiência da Televisão Brasileira, viria a nos presentear a partir desta semana, com a história de Amor e Revolução entre personagens, tomando o contexto histórico da Ditadura, a partir do Golpe Militar de 64. A novela “Amor e Revolução”, não poderia ter nome melhor, visto que a dinâmica do Amor, está para a Revolução, e vice-versa. O amor, em seu ágape mais pleno transborda, direciona. É audaz e contumaz na sua vasta e forte passagem e nos seus tórridos fins. Não era de se esperar que o que não aprendemos sequer pelo visual do livro didático de história nas escolas, viria à tona - para o nosso constante aprendizado sobre o polêmico tema -, pelo audiovisual da novela, inclusive, para a grande maioria, tanto das novas gerações, quanto também às antigas que viviam submersas politicamente ou por viverem em geografias ou situações, que não possibilitavam o pleno conhecimento para si dos fatos de 64 a 85, que por fim, e felizmente, levaram a cabo o processo e retomada à redemocratização no Brasil.

Quando se dá qualquer embate sobre o assunto nos quotidiano das pessoas, percebe-se naturalmente que no mesmo, escorre a guerra de ideologias, logicamente entre indivíduos antagônicos – de esquerda e de direita – ou entre militares que conviveram à época e jovens ou pessoas identificadas com o espectro político de esquerda e extrema esquerda, cabendo lembrar que à época, ambas correntes eram tomadas e identificadas somente por comunismo, pelas altas patentes, suboficiais e soldados dos quartéis, o que já era suficiente para seus militantes comunistas serem inquiridos em súbito e vil “julgamento”, se é que podemos suavizar dessa forma. Os militares aludiam e aludem também ao Golpe de 64, autodenominando-o de Contrarrevolução de 64 em oposição ferrenha a uma suposta Revolução Comunista, que, nos autos da história, já havia sido “aquartelada” e sucumbida na Intentona Comunista em 35, capitaneada pelo Luís Carlos Prestes.

O fato é que, entre arrepios e agitações de alguns setores da Extrema Direita e êxtase por toda a Esquerda, da coragem de se colocar estes fatos em uma novela em horário nobre e com isso, reparar, mesmo que em parte, as lacunas lacônicas e históricas de nosso sistema educacional e cultural, essa revelação em uma linguagem novelística, será um legado que mesmo com todas as infelicidades, barbáries e por mais que o enredo seja desconfortável, às vítimas e aos familiares dos desaparecidos políticos, assim como todos os brasileiros vivos envolvidos na temática, essa precisa sair da penumbra para a luz dos acontecimentos, dos seus fatos, contextualizada pelos dois lados, com a participação ideológica e fatídica dos mesmos, para que o processo e película das filmagens e gravações primem pela coisa mais importante - que deve pautar a novela -, especialmente essa que possui um viés histórico: a primazia e prerrogativa do que ocorreu pelos fatos, verídicos e impregnados em nossa história, ainda sob o ‘front’ de uma espécie de “cortina de ferro”. Mesmo que o enredo de amor, seja uma ficção, sua base de sustento é base histórica brasileira, e por este motivo especial e irrefutável, não pode estar alheio e deslocado da realidade da época.

Olhando algumas cenas, vazadas na internet, constata-se que pelo teor - de tortura na cadeira do Dragão, do pau-de-arara, dos choques e submersões dos tidos “subversivos” nos baldes de água -, que em princípio e por simples percepção, os fatos não serão poupados, assim como a verdade factual dos acontecimentos, por mais dolorosos que sejam, por mais torturantes e nefastas que tenham sido e estejam ainda, hoje e em carne viva, ao ser humano e aos seus direitos humanos, que jamais sofrem de exceções de tempo ou de contemporaneidade. Para que isso jamais ocorra, é preciso que esteja ao conhecimento de todos. O autor Tiago Santiago, que pensava neste projeto há cerca de quinze anos, já se colocou aberto às críticas, que entende que, inevitavelmente, ocorrerão.

Não sabemos o que ocorrerá na novela e quem serão os personagens envolvidos na trama e no seu desenrolar dos já previstos 180 capítulos, podendo se estender a 250, como já acusou o autor, em sua entrevista à Revista da TV, do Globo. Mas, sem piscar e pestanejar, é muito importante para a sociedade saber entre tantos personagens, quem foi Carlos Marighella, morto em 69 na Alameda Casa Branca em São Paulo e saber quem foi Carlos Lamarca, morto no sertão da Bahia em 71, só para citar esses, dentre muitos outros, cuja lista é igual merecedora e infindável. Quem foram os personagens da articulação para o Golpe, como o Lacerda, os EUA e os militares. Como se deu este processo a partir da renúncia de Jânio Quadros e a posse turbulenta de Jango. Como foi a Operação Sucuri, que tombou, agonizou e perpassou com a literal queima de arquivos na, e da Guerrilha do Araguaia. O contexto dos sequestros de autoridades diplomáticas pela esquerda. Quem e quantos caíram; a ação dos Presidentes Militares e o contexto social da época, em que enquanto havia do lado de fora das casas, uma luta armada e caçada aos guerrilheiros urbanos e rurais, do lado de dentro, as pessoas comemoravam mais um Gol de Pelé, e o tricampeonato da Copa de 70.

Ao dispor ou não de nomes verídicos (e nem sei se ao certo o autor disporá de nomes reais), o importante com esta novela é que - sem exacerbadas expectativas de desvelar infindáveis pontos obscuros da nossa história -, esta pelo menos arranque parte deste novelo da nossa história da Ditadura Militar, ainda mais em reverência aos dias de hoje, em que não vivemos mais uma “abertura lenta, gradual e segura” e de fato e de direito, uma pujante democracia, embora esta careça ainda da verdade e de mais igualdade, a começar por conhecer sua própria história.

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