Tecer de saída um: “Lukács dispensa comentários”, poderia ser um bom começo deste ensaio, não é mesmo? Mas, para alguém que escreveu História e Consciência de Classe, seu mais polêmico e clássico livro, embora, não seja considerado a sua magna obra, coloca-se a meu ver como mais proeminente e dialético o início: uma obra como História e Consciência de Classe detém, com efeito, na máxima importância e ao sabor dos dias de hoje.
No
livro, o pensador, que acabara de viver a experiência da Ação de Março que
culminou na rápida revolução Húngara, e desembocou-se na República Soviética
Húngara ou a República de Conselhos, e depois, teve intelectualmente pontos de
sua obra negada pelo próprio autor, só permitindo sua reedição a partir de
1967, acompanhado de uma autocrítica de seu pósfacio na mesma data, já o
colocaria por si só, como um livro fascinante. Um livro rezado pelo Lukács e pela
própria geração marxista da época (o livro foi publicado em 1922), a cabo do
movimento histórico da Revolução Russa dos Bolcheviques, e sua defesa dos
métodos de organização leninistas: como o centralismo democrático e o partido
marxista como o partido revolucionário: a vanguarda de quadros para coordenar e
liderar o movimento de massas, através da democracia operária do Conselho
Operário. Isso tudo, nos autos de um homem que foi ministro de educação e
cultura da efêmera República de Conselhos, e comissário de uma divisão do exército
revolucionário húngaro. Não bastasse isso, para comprovar que não foi um
intelectual de mesa, e tido apenas, como muitos o apregoam doravante, um talentoso
crítico literário.
Lukács,
foi o propulsor da estética marxista, da visão da totalidade no estudo da
literatura, como efeito e correlação ativa e receptora com as relações da base
material e das relações de produção. Na história – materialismo histórico e na
dialética da natureza (de que existe uma realidade em sua dinâmica e ininterrupta
evolução constante, independente de nossa consciência). Voltando ao livro: belos
ensaios, como: O que é marxismo ortodoxo?
– em que defende que a ortodoxia marxista não é rezar na cartilha de Marx e de
seu pensamento como uma bíblia, um dogmatismo; mas, pelo contrário, é
reconhecer o método dialético como o único método capaz de traduzir e reconhecer
a realidade, tanto que defende que um marxista autêntico poderia refutar todas
as teses em Marx, desde que reconheça a veracidade do método.
No ensaio Rosa
Luxemburgo como marxista, defende veementemente Rosa, como a que resgatou a
tempo o método dialético em Marx, e que atacou o oportunismo do partido menchevista
(leia-se pequeno burguês) e de intelectuais que se recusavam a merecer o método
dialético como a matriz do marxismo, e que via a realidade como fruto de um
mecanicismo e determinismo econômico, a exemplo de que uma crise econômica
seria por si só fatal, para a derrocada do capital. Fruto da concepção da
Segunda Internacional.
No ensaio Consciência
de Classe, e A reificação e a
consciência do proletariado, o mesmo, de forma brilhante disseca realidade,
a que chama de realidade histórica, e que concebe que as verdadeiras e puras classes
da sociedade são compostas de duas: o proletariado e a burguesia. E, que o
campesinato e a pequena-burguesia são classes intermediárias, frutos de
reminiscências da época pré-capitalista, e que ficaram à carne viva, à luz do
dia com a época capitalista, e com a consequente racionalização das ciências e
de toda a sociedade, dispersando o entendimento do todo, da totalidade
econômica e da consciência, não como mera consciência individual ou
psicológica, mas, como consciência de classe – ou seja, consciência de sua
situação de classe, no processo produtivo. Tal consciência que não pode ser data
de forma imediata – como a psicológica -, mas precisa ser mediada, pelo
conhecimento da totalidade da sociedade – de enxergar em seu momento na fábrica
ou em seus momentos subjetivos como homem, o momento no todo e o todo no
momento – difícil com o fenômeno da alienação, da visão dada e determinista e
contemplativa, “maravilhosa” da sociedade. Da contribuição de Lukács, arrisco
dizer, que neste livro, é a defesa desmesurada, mas corajosa e brilhante da
dialética – da visão da sociedade como uma totalidade, não como especializações
de esta ou aquela ciência, como ocorre hoje. À conveniência dos ditames
burgueses.
Neste particular, já falando em alienação, como em
supra, com efeito, vamos à sua causa: transparece o que se entende por
reificação: processo de coisificação da sociedade e de tudo que nela consta – é
a visão de mercadoria a todo ente da sociedade, inclusive o homem, que vende-se
como mercadoria, para o proprietário do meio de produção – processo que se
inicia na substância econômica – com o valor de troca ( valor de venda da
mercadoria) subvertendo toda a noção de valor de uso (valor do material pela
sua necessidade) e do valor mercadoria ( valor da mercadoria manufaturada pelo e
somente pelo trabalho humano, independente da máquina, já que precisa direta ou
indiretamente do homem para operá-la). A reificação faz da filosofia clássica alemã
(De Kant a Hegel), redutos da visão que é a visão da classe burguesa e do
pensamento burguês, que remete toda a sociedade: à visão contemplativa da mesma,
de tudo, das ciências, de modo que tal forma e conteúdo, representado em que
tudo o que está aí, é o melhor, é o possível. Desbarata o Direito e a ciência
jurídica, como mero direito burguês, a legalidade como mero instrumento burguês
de controle e normatização da sociedade (Gramsci, o relataria como forma
ideológica de consenso – quando este não surte efeito, entra o poder de coerção
e violência para dispersar o pensamento opositor).
Faz a defesa dos métodos de organização leninista,
como forma de criar instabilidade nas alianças burguesas e na classe burguesa.
Até do polêmico instrumento da violência, dependendo e sempre à conveniência
pragmática do momento: seja na crise, ou em momentos de refluxo. Por isso, a
necessidade de viver em momentos de clandestinidade ou legalidade, não pela
legalidade como um valor em si, já que a legalidade era um efeito e sintoma coercitivo
da realidade burguesa. Todos estes pontos, sendo capitaneados pelo movimento
operário sob a liderança inexorável do partido político – revolucionário.
De todos os pontos polêmicos, faz-se em sua
autocrítica sobre o protagonismo do proletariado. Ele justifica-se que o livro
fora escrito com exarcebada influência em Hegel. Decerto, fora consequência
também, como reflexão – a sua visão a
posteriori de todo o movimento socialista que tinha sofrido reveses em toda
a Europa e mundo. O fato, é que no último parágrafo do posfácio, como
autoafirmando-se - mas em tom sutil, de certo ceticismo -, o pensador húngaro,
diz que a despeito de suas próprias críticas sobre História e Consciência de
Classe como um livro errôneo - seu livro e suas teses sobre o proletariado,
podem ser deixados livremente pela sua consciência ao julgamento da história.
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