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Artigo: Notas sobre uma análise de conjuntura do Brasil

É comum, em geral, não refletirmos sobre a vida e sobre o quadro político, muito pelas atribuições do dia a dia, que engole a maioria dos cidadãos brasileiros, seja pelo acomodo reflexo do que é ditado pelos grandes meios de comunicação e na influência ideológica das suas novelas, dos seus telejornais e das suas revistas eletrônicas, seja pelo desgastante dia a dia do trabalho, cada vez mais precário à qualidade de vida do cidadão comum. O resultado disso se vê claramente: a falta de discussão de um projeto de Brasil, verdadeiro, longe das bravatas, que se some de verdade à solução dos problemas reais do cotidiano. Quem tem que elevar este debate é a sociedade civil, no termo gramsciano (Antônio Gramsci, 1891-1937, pensador italiano), para quem a estrutura política é dividida, em última instância, em dois superplanos (a sociedade política, isto é, o governo; e a sociedade civil). O resultado, também, é uma espécie de alienação aos problemas sociais e políticos, em respeito aos problemas individuais que acometem o cotidiano do indivíduo, como problemas de mobilidade urbana, transporte, a demora no deslocamento de ida e vinda entre o trabalho e casa, etc.

Se sairmos da relação: cotidiano e política, para olhar o quadro do emprego no Brasil, o Brasil está em pleno emprego, porém, a grande parte desta estatística envolve o subemprego, a terceirização e a redução da qualidade do emprego dito intelectual nas empresas (áreas de qualidade, processo, relacionamento entre pessoas e áreas). Tudo devido à redução da taxa de lucros das empresas de serviços e da indústria, excetuando as instituições bancárias e financeiras, que não muito raro, conseguem fechar o balanço financeiro com a média de R$15 bilhões/ ano. Não se admira porque muitos dos donos destas instituições estão na lista da Forbes. A lista de brasileiros somente aumenta. Isto pelo que os defensores do liberalismo econômico chamam de “meritocracia”, pelo menos é que é propalado. Se passarmos um olho pouco mais crítico, veremos o desmonte do discurso, uma vez que a acumulação de riqueza não consegue se multiplicar e muito menos ser mais bem distribuída para o andar de baixo das próprias instituições, por mais alto que seja o esforço e mérito.

E nem, poderia, senão, não seria acumulação de capital e de riqueza para uma minoria. Isto agravado por um Estado que tem carga tributária de 35% do PIB, e uma tributação estrita em cima do consumo (o que impacta gradativamente quem possui renda menor). Voltando à qualidade do trabalho: conforme dados da pesquisa do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgada em agosto de 2011, o número de trabalhadores terceirizados no Brasil chega a 10 milhões de pessoas, o que equivale a 25,5% do mercado formal. Isto é, um terço do mercado formal possui como meio de vida um trabalho precário. Além disso, não possui, como todos os outros setores, um retorno do Estado fiscal Brasileiro, visto que o quê se paga em tributos e impostos não é retornado plenamente em serviços públicos de qualidade, como saúde, educação e segurança pública. Tudo isso, agravado com a falta de discussão de um projeto pela sociedade civil que se contraponha a “isso tudo que está aí” para parafrasear a palavra de ordem das jornadas e manifestações junho – por isso, não é muito difícil perceber a complexidade e o poder de fogo que tem todos esses elementos para o estopim de insatisfação e revolta. A questão é apenas saber o quando (de novo).

Toda esta gama de insatisfações resvala na classe política. Da elite ao baixo clero. Não à toa, toda esta conjuntura balança políticos tradicionais, como se pode ver na aparente desistência do Senador Sarney em tentar a reeleição pelo estado do AP, e faz com que haja a “mudança do discurso” para um discurso de mudança na tentativa explícita de todos eles: de capturarem para si o discurso do novo, da mudança. Na verdade, tragicômico. A grande falta que temos é de um projeto, de esclarecimento e de educação. É a transparência em dizer por parte do governo, e a falta de pesquisa e de debate de uma sociedade que não tem tanto interesse em saber que cada vez que se aumenta a taxa básica de juros (Selic), além de se remunerar em maior valor os papéis de títulos públicos aos credores do governo – em sua maioria bancos – reduz a capacidade produtiva, com possível e direto impacto no trabalhador, já que se a Indústria não produz, não há porque manter o mesmo número de empregados. É bonificar quem aplica o dinheiro no mercado financeiro em detrimento de quem produz, e ainda, prover um arrocho ao trabalhador que precisa de crédito junto ao banco para financiar imóveis, bens de consumo, etc. É a transparência em dizer e de levar à prática que de fato a prioridade do Estado Brasileiro será na educação e na saúde, não somente em medidas burocráticas, mas, com a revitalização do plano de carreira para estes servidores, e a reestruturação em investimentos financeiros para financiar ao longo prazo tais serviços de interesse coletivo, com o acompanhamento e a divulgação aberta à sociedade sobre a evolução do que vem sendo feito. Ou seja, é sair do discurso do discurso, e ir para a prática da vida real, da realidade.

Enquanto isso, no pano de fundo da política, que é fruto e tem correlação direta com os problemas enunciados, se tem disputas com desfecho de última hora, traições entre aliados, e composições com adversários históricos, que talvez possuam a maior expressão no Rio de Janeiro, onde no último domingo foi fechada a aliança entre o DEM e o PMDB junto com o PSDB, no apartamento do candidato de oposição pelo PSDB Áecio Neves, colocando na mesma chapa Luiz Fernando Pezão a Governador e Cesar Maia a senador, este mesmo que até dias atrás afirmara que seria uma vergonha sua aliança com o PMDB carioca. O mais impressionante é que nada disso importa e impressiona de verdade à maioria. Traições, composições com adversários e inimigos não poderiam ocorrer em seu terreno mais fértil do que o da política. Não existiria política real, se não houvesse este tipo de ato, de traição. Porque faz parte do jogo, como nos ensina Maquiavel. 

O problema é que seja onde for: nos apartamento fechados, na praça pública, e principalmente nos bastidores, tais articulações não servem a um projeto popular. Um projeto de participação popular em que as demandas e os problemas reais da população sejam considerados e não alijados. Se isso ocorresse, as traições não teriam tanta importância no discurso moral propalado pelos meios de comunicação. Somente têm, porque tais composições passam muito longe de um projeto ou programa, e visam apenas um projeto de poder.  Na verdade, esse comportamento, sim, é o que parece a verdadeira traição - mesmo com a advertência do folclórico ex-governador de Minas Gerais (1933-1945), Benedito Valadares, que afirmava que a política comporta à traição, não os traidores. Enquanto, isso, a sociedade observa à próxima e corriqueira traição. Enquanto também, de igual forma apenas se observa perante os problemas que o acometem como individuo, como cidadão, e como sociedade, dia após dia.

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