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Ensaio: Proposta de Articulação entre Estado e Sociedade Civil

Ensaio: Texto Livre de Teoria Política:



Na mesa do tabuleiro político entre Estado e sociedade existe o intangível. No imponderável existe o vulgo e a fortuna, que tanto Maquiavel em seu O Príncipe relata. Impossível, portanto, pensar em prover educação, saúde e serviços básicos, e muito menos, e mesmo no campo do pensamento, avançar do idealismo para o materialismo, sem uma coesão no espaço físico do Estado e o equilíbrio nas lutas ideológicas e concretas, mesmo que relativo, que reflita na correlação de forças no campo político brasileiro, para citar nossa nação como exemplo e objeto deste trabalho. Começando da hipótese bem realista: a convenção para representação da vontade geral de Rousseau mostra-se de forma incompleta e deficiente (que sedimenta a democracia representativa no mundo ocidental), não, pelo conteúdo e formulação do mesmo, mas, por uma questão da chamada teoria das elites e o isolamento, por conseguinte, das demandas populares.
 
Este hiato entre representante e representado, vê-se de forma mais esgarçada em uma classe. Desta forma, a classe média, como setor estratégico de cobiça dos atores e dos setores políticos, tem em seu poder de barganha à condição senão histórica, hoje, concreta, real e prática na realidade de se capitanear como mola propulsora das massas, e junto com os intelectuais, os notáveis e com as instituições e movimentos sociais, de perpassar o campo puramente reativo e receptivo econômico e ascender no campo político. Sabendo da “guerra de movimentos” (ocupar todos os espaços na sociedade e Estado de modo a garantir e impor potencialmente a vitória ao adversário) tão articulado por Gramsci, em complemento a disciplina do centralismo democrático e rígido a depender do Partido, do moderno príncipe (que só contempla espaços já conquistados, pelos militantes), mesmo assim, para além dessas iniciativas; precisa-se permitir ocupar física e ideologicamente o tabuleiro intangível entre a sociedade civil e o governo estatal. Isto é, um canal transversal entre os dois setores, e por isso, mesmo nem tampouco linear e mecanicamente fixo. As jornadas de junho de 2013 só tiveram calor, porque a classe média e as massas se levantaram, sobretudo, pelo apoio da classe média, em busca de que o Estado atenda as suas demandas de serviço público de qualidade.
 
Como a chamada representação (no Congresso – relação entre representantes e representados) apresenta-se muito achacada, propõe-se um espelho com poder negociador de igual teor ao Congresso, para atrelar suas expectativas de sociedade, às ações políticas na realidade. Não se trata de tutelar o Congresso, mas, trata-se sim, de criar um canal direto e legítimo pela sociedade civil, que é quem elege e legitima os eleitos, mas que não consegue legitimar tanto a ação política, como de fato o sujeito dessas ações, os parlamentares nos dias atuais.
 
Não jaz também a definição, de que se trata de um quarto poder. Não isso, obstante seu poder de fogo, mas trata-se de, em uma reforma política, discutir não somente o mérito de um modelo, e sim, também de formas inovadoras que sejam simples e transparentes à identidade entre representante e representado. Daí, a indução de um Conselho. O Conselho o seria formado por várias instâncias e instituições do Estado, brasileiro. Os remanescentes dos Sindicatos, com sua formulação política. Os conselhos técnicos das áreas e ministérios de saúde e educação, por exemplo. E, por instâncias de entidades de classe como patronato industrial e grandes setores econômicos.
 
Mas, neste embate, a escolha das cadeiras o seria de forma proporcional à demografia de seus representados diretamente. Muitos podem alegar que seria a ‘representação’ da representação. Mas, como haver representação se os enclausurados na “casa do povo” estão e muito, confortavelmente distantes do ressono popular de quem os elegeu, e que por isso este mesmo povo reivindica como legítimo e recorrente representado – mas, sem eco ainda no foro das políticas públicas?
 
Desta forma, haverá formalmente o Conselho democrático, sem se lançar mão - em uma espécie de idealismo - da força econômica cuja ausência é uma utopia desmesurada, mas sim, pelo voto da maioria, que será claro, mais favorecido em teoria, ao que possui maior número de representação na população brasileira – a classe média e as massas. Talvez, haja um forte questionamento e com razão se tal formulação seja real, mas, real também é a crise de identidade no Brasil e no mundo inteiro entre o povo e sua pretensa representação política.
 
Vide as eleições e a política representativa em todo o mundo, que tem como pano de fundo a crise econômica mundial, sendo que essa última e a pior de toda a história da humanidade, em 2008 e a corrente na zona do euro, que mostram também como o capitalismo e mais ainda, o seu centro está com sua fórmula desgastada e assiduamente (ou ingenuamente) criticada, como ocorre nas pretensões reformistas dos últimos eventos do Fórum Econômico Mundial em Davos que ocorrem em janeiro de cada ano. Não à toa, esta mesma política representativa decidiu o remédio com forte ajuste fiscal (- gasto público e /ou aumento de impostos), o que por sua vez, implica em alto número desempregados na Europa, e redução de direitos sociais (seguros), etc. Porque esta representação só representa os poderosos e a grande elite econômica.
 
Portanto, não há uma sensação de bem-estar com a classe política e muito em destaque, sinergia com a sociedade. Ponto pacífico e visível. Por isso, uma reformulação da formulação do contrato de Rousseau, dando mais objetividade e alinhamento com uma democracia mais direta, embora, conte com a representativa, pois se precisa indiscutivelmente dos políticos no campo institucional, mas, que estaria suportado (e não tutelado), pelo Conselho como forma de aferir e dar mais identidade e harmonia no processo representativo.  Um parêntese: como Hegel cita muito a paixão particular e seus interesses, não é difícil pensar porque isso é o que mais ocorre em uma instância isolada do povo e com muito poder e foro político privilegiado, o que é muito questionável na isonomia pétrea da nossa constituição.
 
O Conselho em sua concepção estaria conectado às demandas de universalização e seus serviços básicos - como Estado -, assim, com a sociedade direta que preconiza qualquer democracia, que não seja a forjada pela Teoria das Elites. Assim como a classe trabalhadora, que é a que em sua maioria dá sustentação ao Estado, seja como nação e unidade, seja como provedora econômica da máquina do governo, com sua pesada tributação. Pois, é maior parcela da sociedade civil – no termo gramsciano, sociedade essa que não é estritamente burguesa em seu complexo.
 
Por isso, o alinhamento com o enunciado filosófico de Gramsci, citado no segundo parágrafo, com a necessidade de uma hegemonia dos movimentos sociais em relação aos partidos políticos tradicionais e conservadores, que hoje se assume como inteligível e indelegável a somente um Partido, visto a derrocada política do PT, que mesmo sendo um Partido de origem revolucionária, estacionou um projeto popular, para elevação e manutenção estrita de um projeto de poder na república brasileira. O primeiro depende do segundo, mas, o segundo não se sustenta por si só e por muito tempo e no espaço, sem o primeiro. Porque neste tipo de Conselho, as demandas da sociedade (universalização da saúde e de educação com  qualidade, por exemplo) ecoarão mais alto do que suas diferenças como classe, etc. As demandas populares vão mais convergir do que separar a classe média e as massas. Por isso, a relevância dos movimentos sociais não estarem organicamente dispersos em vários organismos, mas, estarem centrados em um organismo, ou coordenados por um Partido. Pois, o campo estará aberto. Um organismo para organizar e elevar como palavra de ordem as demandas populares, sobretudo a que implica em serviços públicos.
 
Por isso, trazido à nossa realidade atual, o moderno príncipe é o movimento social no ápice de um Partido, em ascendência, junto com a classe do operariado e da classe média – que se vestem em o mito príncipe. Em um moderno príncipe – factível à realidade. Claro que não está dado como verdade absoluta à leitura que Gramsci fez de de O Príncipe de Maquiavel, mas, este não é o ponto. Seja uma pessoa, um monarca ou um Partido e um coletivo, os ensinamentos sobre o poder, e como manipulá-lo são e podem ser trazidos para qualquer instituição que venha em sua ânsia, tomar o poder. Porque o descrito pelo florentino não foi somente espelhado por ele como uma obra de ficção, apesar de conter alguns elementos deste tipo de discurso e narrativa, mas, sim, sobre o que ocorreu e ocorre na realidade da política, na realpolitk.
 
Mas, a ação católica, ou em igual e crescente medida a ação neopentecostal, não foi deixada de lado neste Conselho. Foram precisados, sim; mas, em virtude da característica constitucional de um estado laico e brasileiro, os mesmos não podem estar representados no grande, digamos assim, Conselho, como cristãos católicos e protestantes. Seus valores são precisados e respeitados como foro da sociedade, mas, no Conselho, os mesmos estarão representados unicamente como cidadão, devendo estar nos canais de sindicato e instâncias econômicas, ou ainda, constantes dos conselhos do funcionalismo. Inclusive, os mesmos já estão representados no Parlamento, um das bancadas mais fervorosas da casa.
 
Outra questão é a necessidade e reconhecimento do papel de lobista. A exemplo do que ocorre especificamente neste ponto nos EUA, o mesmo precisa estar regulamentado na lei, e não a agir no dissabor da surdina política, e a depender de vazamentos na imprensa para se chegar ao conhecimento de negociatas à margem da lei entre seus operadores e o Estado, regados pelo clientelismo e fisiologismo. Desta forma, com o Conselho da sociedade civil e a regulamentação do lobby, o tabuleiro fica correlacionado nas forças políticas. A não pender somente para a política dramática do Parlamento, nem somente no viés da sociedade civil. Desta forma, haverá uma verdadeira correlação de forças. Ambos (Congresso institucional e Conselho da sociedade civil), devidamente, e diretamente representados.

 
Com tudo isso exposto em supra, se baseou em passar longe e em quilômetros de distância de se depender de personalismos de ocasião, que sempre casam com perfil messiânico e em consequência não rara, um produto tirânico e despótico. Não se tentou rotular um modelo, mas sim, uma forma e concepção, sobretudo filosófica, mas, amarrada ao campo do concreto e de sua realidade. Nada se justifica mais do que a liberdade e direito a uma efetiva representação em um Estado.

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