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Análises: Classe média, Ideologia, Estado Social e Revolução Cultural



Sobre a educação política da classe média brasileira: De saída, há um deságio imenso na educação eleitoral, quanto mais na política dos grupos setoriais da classe média da sociedade. Em face disso, a mesma é cada vez mais – por não terem em sua grande parcela: acesso à média, alta cultura e às vezes, a básica conscientização social e política – uma classe moduladora, que influencia o seu próprio tempo, ao mesmo tempo em que são presas fáceis dos intelectuais orgânicos das médias e grandes empresas profissionais de marketing, publicitários e propagandistas e administradores do gênero em geral – que ressonam em alto e bom som, a lógica e legitimidade da legalidade do sistema atual social e econômico.

Correlação de forças entre as classes no embate de assuntos morais e ideológicos: Brasil e Ocidente: Em uma sociedade, como a brasileira, que caminha cada vez mais para uma contraposição e divisão política e geográfica de forças: seja entre direita e esquerda, ou melhor, explicitadas, entre progressistas e conservadores laicos ou religiosos, como já ocorre nos EUA, tanto na primeira eleição em que Obama sagrou-se vencedor, como na última em que conquistou a reeleição em 2012, em que já ruma para assuntos não “meramente” econômicos, mas, para assuntos de ordem ideológica e religiosa, como imigração, taxação dos mais ricos e aborto, colocam-se tanto na vanguarda da Europa – a França, com os mesmos assuntos com suas particulares granularidades e ênfases, principalmente à questão da imigração, tão defendida pela sua restrição aos muçulmanos e argelinos no governo Sarkozy, como a favor pelo atual presidente socialista Francis Hollande. Isso também, em menor grau, é discutido na Alemanha, como à restrição aos turcos, como em outras nações da União Europeia, tanto em menor grau, quanto pesa à perda e crise econômica que se abate no continente desde a crise financeira de 2008.

Financiamento do Estado para um Estado “Social” e universalização de serviços: O exemplo do que se viu nas preliminares das eleições dos EUA em 2012, sobre a taxação dos mais ricos defendidos em nome da classe média por Barack Obama, e colocando o Partido Republicano na defensiva, que, via de regra, defende os interesses dos mais ricos; ou a proposta de alta taxação de Hollande para os mais abastados da França colocam muito bem a questão do Estado Social sendo financiado pelos mais afortunados. Inclusive, com defesa, no caso dos EUA de altas personalidades do mercado financeiro, como o magnata Warren Buffet.

Relação entre economia do Estado e consciência: O caso é que claro, invariavelmente esta questão passa pela economia e pelo Estado Fiscal, como já sabido. Mas, se a pujança econômica jaz as condições para tal, a única barreira é o da consciência humana, o da vitória do pleito por um projeto institucional ou de massa, podendo só ser o primeiro, mas contanto e dependente da legitimidade das massas, e principalmente da classe média, pujante, e cada vez mais forte como ator político e como reivindicador do mito príncipe (exemplo de Partido moral e ético para a sociedade) e estrada obrigatória para bloco hegemônico (Conjunto de estruturas e institucionais morais, culturais, ideológicas, enfim, sociais de uma sociedade, por exemplo: academias e universidades, meio artístico, roda de intelectuais, juristas, meio de imprensa, etc.).

Composição do complexo classe média: Há que se considerar que, há uma classe média emergente, distinta da intelectualizada e /ou de alta instrução e escolaridade, advindas do funcionalismo público, do setor universitário e das altas cadeiras do profissionalismo liberal e da iniciativa privada, das décadas de 70 a 90 – do milagre econômico de Médici à abertura econômica ao capital internacional de Collor.

Já, esta nova frente da classe média emergente, é tampouco apolítica. Eles são atores políticos, cuja demanda extrapola e não cogita passar pela via ou orientação partidária ou política-ideológica; eles são o reflexo do Brasil e de seu povo. São personalistas e atraídos por personalistas, desde que realçando e defendendo seus projetos de maior consumo, maior bem-estar social-econômico.

A educação que os guia é, sobretudo, a profissional, sempre visando maior remuneração, renda e bens de consumo e de habitação e automóveis. O que os interessa como demanda política, e bandeira a ser defendida é a sinestesia entre os seus sentidos e do grupo político, que o sagra em defendê-lo. Por isso, não à toa, é que o recém-criado PSD (Partido Social-Democrático) criado pelo então ex-prefeito Gilberto Kassab, se prontifica em alto e bom som, em pretensamente não ser um partido nem de Direita, nem de Esquerda, nem de Centro, e sim do povo brasileiro. Leia-se no “kassabês”: brasileiro e povo, como sendo a classe média, em especial, a nova classe média e emergente.

Fazendo um paralelo, o que está acontecendo nos EUA, entre a correlação de forças entre os mais ricos e a classe média. Os primeiros como maior poder econômico-financeiro e político entre os republicanos. O segundo, em maior número demográfico, e politicamente emergente entre os democratas, embora, esse não possa passar despercebido politicamente pelos os mais ricos, pretendentes e casados historicamente com a bandeira republicana.

É, portanto, o que se remete na escala do tempo ao Brasil. Não em aposta ou inferências proféticas, mas, tomando como base, análises da atual conjuntura com a base no método dialético na definição ontológica de Lukács (método marxista que preconiza à leitura da sociedade e da história como sendo concebida pela luta de classes, e pela totalidade do ser social, isto é, o homem, transitando para uma vida mais social e contemporânea, distante da questão da sobrevivência e necessidade, e por isso, mais aderente a temas morais e ideológicos e religiosos, através do trabalho e da produção econômica). 

Ainda, por exemplo: uma classe média que cada vez mais se avoluma, tende a se dividir em outros interesses ou na formação de outras classes, e que se preocupa e se entranha cada vez mais em seu trabalho, na sua independência e na busca não mais por sobrevivência, mas, sim, por qualidade de vida com a aquisição de bens e serviços, e que por isso, não se contenta com políticas compensatórias, mas, com políticas estruturantes, o que forja a sua divisão em outras bandeiras, partidos, temas morais, causas, etc. Dar-se isso, como amostra grátis e em sabor inicial, o reflexo que se dá o efeito da classe média nas últimas eleições presidenciais em que colocou Dilma Roussef e José Serra; e Dilma e Aécio, parelhos no segundo turno.

Se olharmos às eleições de 2010: Foram 55 milhões contra 43 milhões do segundo. E no primeiro turno, também equilibrado, se contarmos a presença marcante do capital político de Marina Silva, com 20 milhões de votos auferidos. O que mostra a tendência de uma sociedade dividida, cada vez mais – em considerando a capacidade cada vez mais desgastada do PT, principalmente a não contar com seu escudo carismático e impulsionador político, Lula. Já as eleições de 2014, o diagnóstico se faz ainda mais preciso: 54 milhões de voto para Dilma, contra 51 milhões de votos, do candidato oposicionista, Aécio Neves.

A dificuldade em se transitar para um Estado Social com uma sociedade dividida e sem uma unidade da vontade coletiva-nacional. Porque se fala nisso no reboco deste ensaio? Porque, é preciso resguardar o pacto social e evitar, assim como na medida do possível, mitigar o atrito demasiado e beligerante entre as diversas classes; claro que haverá a necessidade de atrito, mas isso precisa ser articulado, conforme teoria de Gramsci, em dar caminho à revolução passiva (revolução cultural, pela tomada da ideologia na formação de crenças de uma sociedade). E o financiamento do Estado Social sofrerá com certeza pressão dos mais diversos grupos de pressão, ainda mais em um cenário muito antagônico e de extremada polarização.

Assim, como é sem precedentes uma crise federativa com impulsos separatistas e de conturbação política, assim o é, uma sociedade combalida em sua unidade, com tensão social entre grupos que reivindicam um ponto extremo ao outro que o expele radicalmente. É uma questão inegociável, e muito falível para a estabilidade e degradação da sociedade civil, com incomensuráveis desdobramentos na sociedade política.

O ponto não é a família – célula da sociedade, e sim, o Estado. Para garantir a “eticidade” na sociedade (conceito do filósofo alemão Hegel que seria o ideal e a efetivação do modelo do “espírito absoluto” de Estado, isto é, a relação entre a família, à sociedade e o Estado), tendo inevitavelmente como partir do ponto dialético de Hegel, da unidade e da contradição, é preciso não desbaratar radicalmente de pronto, e sem conjuntura histórica e consequente a rumos desastrosos, a convivência entre a classe burguesa e a sua “negação” por parte do “aparelho estatal”, mas, derrocar seu principal ponto: o esfacelamento por parte desse mesmo Estado, órgão maior, ponto de equilíbrio da relação contraditória com a burguesia, assim, como este último e o primeiro, com a família (individual). Sociedade, classe, e grupo de indivíduos próximos. Não se pode pensar em desbaratar a estrutura ideológica radicalmente por baixo. O tem que ser feito de cima. O que se pode realizar por baixo são manifestações ideológicas e culturais de forma e garantir o ponto de ebulição, o ápice, para uma estrutura a ser transformada quando houver a oportunidade histórica.

Ressalte-se que não adianta fazer uma “revolução cultural” em meio a um convalescimento do Estado, em meio à crise federativa, pois na criação e tentativa de uma reorganização, com toda certeza, haverá vários desafios e expectativas em jogo, já que cada unidade saiu do equilíbrio do sistema e estará reivindicando para si à legitimidade de suas bandeiras e demandas. Então, para se avançar; patente não desorganizar e criar ranhuras fortes no sistema hegemônico, hoje, pois decerto, haverá concorrência entre propostas particulares de cada “estado”, com as bandeiras de um possível Estado Social, com o seu Estado-nação.

Por isso, importante para a dialética e para a revolução passiva, a virada do status quo, de forma articulada, como “uma obra de arte” e não a depender de forma despótica, viral e missionária. Já se viu filmes do tipo na história e contemporaneidade do mundo de hoje, principalmente no conturbado século XX. Não é preciso recorrer a Hegel e Marx, de que a história se repete duas vezes, primeira como tragédia, segunda como farsa.

Relevância da propaganda e da força ideológica. Por isso, o Estado Social nasce, sim, de batutas de guerras políticas. Mas, no campo silencioso dos bastidores e da articulação, ao passo da organização cultural da sociedade civil, muito sensível, quando unificada a campanhas de mobilização e de propaganda, como o estopim da perda de passividade com a corrupção, com a assinatura e encaminhamento da Ficha Limpa, em 2010, com mais de 1,6 milhão de signatários. Inclusive, este é um dispositivo constitucional de Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Carta de 1988, pouco conhecido, uma arma de combate contra o sistema institucional burguês e conservador. Isso, independente de análise e aferição a um comportamento moralista, da sociedade, da classe média, foi muito mais que um mero avanço na política brasileira, no tocante à moralidade, e no tocante à legitimidade da administração pública e sua relação com a sociedade.

Faz-se necessário articular fortemente à propaganda da necessidade de reorganizar o valor de educação pública e a saúde pública de qualidade, que estão na sombra na consciência coletiva, mas que estão latentes e potentes na realidade das pessoas. Principalmente arguindo-os, com a relação entre tais serviços e a carga tributária, 35% do PIB, relativo ao estado brasileiro. Já que os cidadãos brasileiros pagam educação e saúde, duas vezes. Via imposto, via investimento privado, com repasse de parte considerável do seu provento para a educação particular da família e no plano de saúde para resguardar fisicamente e psicologicamente a mesma família.

Com a revolução passiva, via eleitoral, construída harmonicamente com a renovação e não revogação do pacto, de forma harmônica e artística, como a cultura do renascimento, é que se pode propagandear e chegar ao bloco. Gramsci colocou fortemente, digamos, assim, o caminho para se chegar ao poder, e sua análise sobre o Estado real, resgatando também, as contribuições de Maquiavel, como o real precursor da realpolitke, e suas possibilidades de se almejar, de se alcançar o poder, pelo grupo hegemônico, pelo príncipe Partido.

Mas, como bem ressaltou Bobbio, que é um pensador liberal, mas, com amplo conhecimento nas obras marxistas, em seu “Que Socialismo?”:

Os intelectuais marxistas, a partir de Marx e Engels, precisaram a crítica ao sistema capitalista e seu modo de produção e base material com infraestrutura (econômica) refletindo a superestrutura (jurídica, cultural e política), mas, não se pensou categoricamente em um estado socialista, e no máximo que se avançou, foi na teoria do comunismo de conselhos, e não no comunismo burocrático, como o que vingou no socialismo real do século XX da URSS de Stalin.[1]


Por isso, a questão de uma formatação de Estado, me parece não secundária, mas, não é primária, visto que na concepção de um mundo atual, ainda, forjado na economia liberal e capitalista, dificilmente, deixaria brecha para uma guinada radical, devido, principalmente, a internacionalização da economia e do mercado financeiro. Mas, é possível sim, dentro do Estado, inverter as prioridades. Isto, só será possível com uma verdadeira revolução cultural, nas academias, nas rodas intelectuais, nas atividades artísticas e culturais, e até no chão-de-fábrica do trabalho e da produção econômica. Mas, que, com certeza, transformar o Estado em um provedor real, sério, e fidedigno dos serviços básicos que estruturam a dignidade humana, já seria uma grande revolução. O que parece ser simples, e óbvio na teoria e na Carta, mas, se materializa em uma grande dificuldade na vida real. Na universalização do Estado para o próprio Estado. E para isto, a defesa da classe média é visceral, fundamental neste pleito, com um trabalho constante de propaganda e de ideologia e pela educação não esquecendo que os pontos progressistas envolvendo moralidade e à família não podem dispersar a conquista de um Estado, com a universalização dos serviços. Aliás, o trabalho de propaganda não será nada diferente do que os ideólogos e a própria estrutura impessoal do capitalismo, nos faz, diariamente.






[1] [1] Norberto Bobbio, “Sobre a inexistência de uma ciência política marxista” Qual socialismo? (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001). Pág. 23.

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