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Ensaio: O Estado Social do Brasil Contemporâneo e sua Viga histórica no Estado Vargas


Por iniciar pela formulação de uma nova concepção de Estado Social, precisamos antes de tudo e do início dos desdobramentos; entender conceitualmente o que se entende por Estado Social.  O Estado Social perpassa o Estado Liberal, na medida em que defende a intervenção do Estado na sociedade no que diz respeito à esfera econômica e na prestação de serviços em atendimento as demandas sociais.

Seus enfoques e diretrizes dorsais, a saber:


ü  Intervenção do Estado na economia para manutenção a contento, da renda e do emprego, utilizando-se de seus mecanismos de Estado e de política econômica, para regular as principais economias, visando à regulação e a hegemonia de uma economia social.


ü  Universalização dos serviços de saúde, educação, previdência social, habitação, segurança e etc..) no sentido de resguardá-los como direito universal à população, e não como uma concessão de caridade a uma parcela mínima da sociedade, e por natural, os mais necessitados.


O Estado Social nasceu na primeira metade do século XX, partindo da necessidade de amparo ao operariado em decorrência do desordenado crescimento e expansão industrial, para manter a produtividade daqueles, e que cada vez ressonava fortemente novas demandas sociais pelo Estado, como a garantia deste para a habitação, educação e saúde.

Serviu, também, como estratégia e resposta dos países ricos industrializados entre os EUA e a Europa Ocidental, e, portanto, dentro do centro do capitalismo liberal, de colocar uma alternativa ao “espectro do comunismo” e a já latente experiência do socialismo real da URSS, iniciada em 1917, com a Revolução Vermelha, capitaneada por Lênin.

Nesta época, dentro de uma conjuntura de convulsões expansionistas e de turbulências e potencialidades bélicas, tanto locais, como internacionais, a estabilidade socioeconômica imposta pelos países do centro, não poderia - na visão deles - ser abatida por reivindicações tidas como radicais, como as comunistas, e que já tinha um espelho a seguir não mais à risca e de forma ortodoxa a experiência da Comuna de Paris de 1871 e dos manuscritos e livros de Marx e Engels. Era a forma prática de arrefecer a grande e crescente massa de trabalhadores, no provimento de saúde, educação e outros serviços de forma universalizada, tirando uma das grandes bandeiras das agremiações e movimentos marxistas.

Uma distinção importante, mas, ao mesmo tempo em uma fronteira tênue, em termos conceituais, que mais do que conceitos, são apoderados por grandes núcleos intelectuais e propagados em meios corriqueiros e de propagação em mídia, do sistema hegemônico, coloca uma separação entre Estado de bem-estar social e Estado social.

O Estado do bem-estar social ou Welfare State, adotado como status quo dos países da Europa e da zona do euro, remete a um estado cuja dimensão direciona-se para uma política pública de bem-estar social e em garanti-lo através de repasses de valores pré-concebidos no orçamento para os serviços públicos. É mais um conceito de ação do Estado, do que o próprio Estado.

Por sua vez, o Estado Social é a concepção não somente de uma ação, mais da totalidade, da configuração geral do Estado, como não só prover o bem-estar social, também uma premissa fundamental, mas de articular todas as partes do Estado e  os seus problemas. Por isso, sua articulação para a intervenção na economia, na sociedade, no mercado, e nos diversos canais e seus prismas com a sociedade civil.

Mas, voltando para o século XIX, no Estado Interventor brasileiro, mas, veja, paradoxalmente, entre o período de 1930-1945, Getúlio Vargas aprofunda em criar as bases institucionais vindouras para os alicerces de um Estado de bem-estar social – Welfare State com a Constituição de 1946. Entre as medidas públicas e sociais estão: a implantação do sufrágio universal, o estabelecimento de direitos trabalhistas e de um sistema de ensino público. Também, criou e articulou instituições paraestatais para a mediação entre Estado e sociedade, com destaque à esfera econômica. Entre eles, o Serviço Social da Indústria, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e A Legião Brasileira de Assistência. Também, para a mesma “finalidade” os principais sindicatos, federações e confederações por categoria de trabalhadores, setor de atividade ou por região.

Isso engendrado em uma espécie de Estado pautado pelas sociedades fordistas do mundo. Mas, a sua preocupação como pano de fundo – inclusive com o esforço pela profissionalização da assistência social através da criação de cursos e sua valorização no âmbito público - era exercer o controle do Estado e de setores da sociedade pelo braço e visão clientelista e populista – muito característicos e falíveis no governo autoritário de Vargas, a partir de 30.

As bases do Estado de Vargas permanecem quase que inalteradas no que se refere à organização trabalhista, a universalização dos serviços e a burocracia do Estado. Depois de convulsões políticas que culminaram no suicídio como o último ato político de Vargas em 1954; depois dos 50 anos em 5 de JK e a abertura forte à reindustrialização e por sinal e consequência, o crescimento do endividamento público e da dívida externa; e com o Golpe de 64, o endurecimento em 68 e sua permanência até 85; por conseguinte, o acúmulo de movimentos ideológicos reforçados pela luta pacífica e armada dos Anos de Chumbo, ressonaram os anseios por universalização dos serviços básicos e proteção do Estado, transcritas fidedignamente na Constituição de 1988, e ainda não vingadas na realidade e no afã da necessidade popular e da sociedade por tais direitos.

Ao adentrar nas entranhas da administração pública brasileira, em âmbito federal, mesmo com toda a organização jurídica do Estado e constitucional, considerada hoje como um dos modelos mais modernos que responde pelos atuais anseios da sociedade, em detrimento, por exemplo, do modelo constitucional americano, não se consegue materializar as premissas e garantias fundamentais da Carta Magna, seja por inoperância na administração pública devido a sua pesada burocracia, seja principalmente pela corrupção de seus agentes e práticas de clientelismo e fisiologismo entre os partidos, grupos de pressão e movimentos de amplitude social.

O primeiro corresponde também como efeito do segundo, embora a administração pública padeça ainda de falta de profissionalismo em seu núcleo e derivativos, principalmente na gestão, no conhecimento da máquina e na falta de formação continuada para alavancar os projetos de infraestrutura e de operação na cadeia nacional, estadual e municipal.

O fato é que para além das dificuldades práticas de se vigorar na plenitude um Estado Social, em sua totalidade como Estado, e não como um Estado de ações pontuais que visa conciliar gregos e troianos, tal entrave é também extensiva ao conceito no campo jurídico, como cita Bobbio: Isto é, que um Estado de Direito e Social são incompatíveis no âmbito constitucional, e somente no administrativo e legislativo, por atropelar o direito à propriedade e às liberdades – fundamentais – pela política de redistribuição social econômica do Estado Social, é recorrente buscar criar as pontes para a transição de  um Tipo de Estado para Outro.

Pois,

Os direitos fundamentais: liberdade individual e pessoal, política e econômicas são pleitos permanentes da tutela da sociedade burguesa. Um dique contra a intervenção do Estado. O contrário, os direitos sociais são pleitos de maior participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida. Os direitos fundamentais são a garantia de uma sociedade burguesa separada do Estado em contrapartida que aos direitos sociais, que fomentam a via por onde a sociedade entra no Estado, alterando-lhe a via formal – Bobbio (Dicionário de Política, Volume 1, editora UNB, Brasília).


            O fato é que esta proteção jurídica e constitucional dita do Estado de Direito, serve de arcabouço e baluarte para a estrutura férrea e salvaguarda um Estado que se serve,  e serve a uma minoria (elite); ao invés de prover condições e serviços em sua plenitude para uma maioria, como preconiza o Estado Social.  O fato é que um Estado de Direito não é senão outra coisa que: um Estado em que existe um grande jogo de interesses, de estratagemas, de estratégias que preconizam a intensa e ininterrupta luta de interesses de classes, como bem mostrou o Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, de Marx, elencando categoricamente quando classes antagônicas e médias e até – quando não raramente às pequenas, condicionadas pelas maiores, exercem sua influência política e econômica, que, não obstante a sua confluência em prol de interesses em comum; há paralelos e seguidos momentos de luta e conflitos de forma tortuosa, intensa dinâmica, em que os mesmos divergem na mesa e nos bastidores do jogo político. 

Isto é o que por conseqüência resvala, dispersa, entedia, e aliena toda a maioria da sociedade a entender o que um Estado Social, o inverso do Estado de Direito, na realidade, preconiza: um Estado cuja universalização com qualidade dos serviços públicos, não esteja somente na Carta ou nas contingências de um orçamento público, mas, esteja entronizado como filosofia e estrutura deste Estado, mais participativo, mais humano, um Estado efetivamente Social, donde os interesses de uma elite sejam barrados na porta de entrada.

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