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Ensaio: Observações Do Contrato Social de Rousseau




Em Do Contrato Social[i], Rousseau destaca que a sociedade mais antiga é a família. Que nem todo governo é favorável aos governados. Faz referência à citação de Hobbes de que os homens não são iguais. Uns são escravos, outros chefes. O filósofo destaca claramente que a força não funda o Direito, que nenhum homem possui autoridade natural sobre qualquer outro, e faz uma crítica contundente à monarquia e a tranqüilidade das “masmorras”. Defende que a autoridade legítima são as convenções. Ele defende, ainda, que retirar a liberdade da vontade do homem é tirar toda a moralidade de suas ações.  Argumenta de forma brilhante, que a escravidão não remete ao estado de guerra. E que a guerra é fruto de relação entre coisas (por exemplo, entre Estados), não entre homens.

Há concordância com Locke no que diz respeito à ilegitimidade de se usurpar bens e propriedade em estado de guerra. A escravidão é a continuidade do estado de guerra, mas, o direito de escravidão não advém do de matar. Relata que há sempre o concurso da força e da liberdade. Que um povo é sempre um povo antes de se entregar a um Rei. Por isso, como um povo já constituído antes de um Estado: se pudermos fazer uma síntese da cláusula do pacto social: o pacto decorre da alienação dos direitos de cada um em prol da comunidade para formar a convenção sob a moralidade da vontade geral, um novo corpo: moral e coletivo, sendo que o Estado passivo é o corpo político, e o Estado ativo, é o soberano. Por quê? O soberano não pode contratar consigo mesmo. Um pacto legítimo é feito entre dois corpos.

Há uma relação dialética entre o soberano e o súdito e entre a vontade particular e a geral. Isto é concebido pela moralidade. O homem perde sua liberdade natural e ganha sua liberdade civil e sua (eventual) propriedade. A liberdade moral é a conquista do estado civil. O direito da propriedade é do primeiro ocupante. Neste ponto também, há consonância com Locke no direito à propriedade: através do uso e do trabalho individual que configura por sua vez, a dominação do território do Estado sob a convenção deste novo corpo. Pois, a terra é do Estado em usufruto dos particulares. Conclui no livro I que a desigualdade física e de gênio da igualdade natural é substituída pela igualdade moral do Estado, já que todos estão amparados pela Convenção.

Para Rousseau, a soberania é o exercício da vontade geral. O corpo político é igual ao soberano. A vontade geral é a diferença entre as forças que se anulam na convenção. O poder é dirigido pela vontade geral (soberana). Que agir com fatos particulares é do âmbito do magistrado (juiz). A convenção (vontade geral) não se envolve com questões particulares. Por isso, a condenação é uma questão particular, é do juiz e da lei. Não do âmbito do soberano. Defende direito de morte ao criminoso, já que o mesmo rompeu com o pacto social, e visto que não é cidadão, não é homem moral. Que a justiça vem de Deus, mas, como não é possível extraí-la do alto, é necessário governo e leis. A lei é o estatuto do todo. A Lei é a universalidade do objeto e da vontade. Por isso, a necessidade do legislador, devido ao esclarecimento para guardar às leis.

Ainda: que a criação da instituição distancia o homem da natureza. Quem comanda as leis, não comanda os homens, por isso, a necessidade do poder executivo e o legislativo. O legislador é o homem extraordinário do Estado. Segundo Rousseau, tanto a política como a religião se instrumentalizam uma em apoio à outra. Cita o problema dos costumes, pois, os homens precisam estar aptos às leis. Que a revolução desagrega o tecido social. Por isso, antes de civilizar um povo, é necessário que seja bárbaro, guerreiro. Pois, o povo precisa estar maduro frente à lei. Estados maiores são mal administrados, à custa do povo.  

Afirma a distância entre os chefes e governos com o povo, nos Estados maiores. Sobre o Estado: que é preciso haver uma relação de equilíbrio entre território e gente. Há importância no equilíbrio de forças políticas. O legislador deve estar atento à relação entre quantidade de gente e território. Ainda, sobre a importância do legislador em criar instituições, que contribua para o povo gozar de paz e fartura. Em síntese: que o problema do legislador está mais em destruir do que criar.  E que a finalidade da legislação é a liberdade e a igualdade.

Sobre a igualdade, a liberdade não pode existir sem ela. É a lei que a mantém contra a força. A lei é atrelada ao território do Estado, em consonância com Montesquieu.  Defende que há relações naturais entre o Estado, território e as leis. Se o Estado não tem terra, que se cultive a Indústria., etc.

Rousseau detalha a hierarquia das leis de um Estado: Primeiro, há as Leis fundamentais: 1) relação do corpo político com o todo. 2) relação do soberano com o Estado. Segundo, há Leis civis: em relação entre os membros. E por fim, as leis criminais: em caso de desobediência e pena. Porém, ressalta de forma enfática ao final que a lei mais importante, refere-se ao âmbito dos costumes, dos usos, da opinião, a despeito de não estar registrada diretamente em algum documento. Faz uma relação da necessidade entre os poderes: executivo e legislativo; que a causa moral é a vontade que determina o ato. E a causa física é  a força que executa. Por isso, força e vontade, respectivamente, são as forças motrizes do poder executivo e legislativo. Mas, para Rousseau é o corpo político (Legislativo) que subordina o executivo. Já o governo: compõe forças intermediárias.

Por isso, o filósofo insere esta relação do Estado em três termos: 1) povo; 2) legislativo e executivo e 3) cidadãos. Que quanto maior o Estado, mais forte tem que ser o governo. E refere-se a axiomas de cada termo: a do governo é conter o povo e a do soberano é conter o governo. Entre o soberano e o povo, está o governo. Mas, nem por isso, considera tais regras como matemáticas, mecânicas. Por isso, frisa que a matemática não pode quantificar qualidades morais. Defende como importante a distinção da vontade do poder particular do governo e Estado. Isto é , a do Príncipe como governo e a do Estado como soberano. Ao contrário do que a ordem social (coletiva) exige, a vontade particular (do indivíduo), a vontade do corpo (burocracia; corporativismo de setores estatais) e a vontade geral (Estado soberano) são respectivamente mais fortes nesta ordem. Observa que normalmente, quanto maior o Estado, menor o governo (magistrados). Mas, importante ressaltar que do contrário, a vontade dos magistrados se aproxima da geral, isto é, encurta-se a distância entre governo e povo, o que aproxima ambos do mesmo espectro de vontade  e moralidade. 

No final das contas, o legislador deve combinar força e vontade. Rousseau ensina que a democracia na acepção do termo, nunca existirá. Que a democracia é para Estados pequenos e sujeita a guerras civis e intestinas. Rousseau deixa escapar que aristocracia é a melhor ordem, desde que para o povo. Mas, é preciso mitigar um problema: necessário estabelecer um pacto e moderação entre ricos e pobres.

Sobre a monarquia, há dois corpos morais na pessoa mesma, só que a vontade particular domina. Rousseau faz referência a Maquiavel – que para sua concepção: o florentino dá lição aos povos, quando fingia que era para os Reis. Ainda, segundo Rousseau – os quadros da república são melhores que os da monarquia. Que a solução para os interregnos foi à coroa ser hereditária.  Que a arte de reinar é antes de tudo a de saber obedecer. Faz também uma citação velada a Locke, sobre a paternidade e o príncipe. E que a liberdade não está nas mãos de todos os povos – em citação a Montesquieu.

O filósofo ensina que concentrar tribunais serve para fortalecer o núcleo do Estado. Que é o trabalho excedente (mais-valia e impostos) que sustenta o governo e o Estado. Que dividir o governo no território serve para enfraquecê-lo. Que a democracia é para Estados pequenos e pobres.  Que é melhor a riqueza concentrada na mão do governo do que na do particular. Que o produto de muito excesso do trabalho subsidia a monarquia. Podemos observar, ainda, o trabalho como mecanismo importante para Rousseau. Que o clima faz o Estado: quente, frio e intermediário. 

Pois, o clima influencia a moradia, vestuário e alimentos. Sobre riscos do Estado, observa que quanto maior a superfície e habitantes é mais difícil de realizar complô e mais fácil para o governo cortar as comunicações. Sinais e sintomas do Estado: se a população definhar, significa falta de conservação e prosperidade. O governo degenera quando: 1) Estado contrai e 2) Estado se dissolve. Por fim, que o rompimento do pacto social é choque inevitável entre governo e soberano. Governo só muda, quando perde força. Já  a dissolução do Estado pode ser por: usurpação do príncipe ou dos membros do governo.
Ensina que o déspota está acima das leis e o tirano faz ajuste às leis à sua conveniência. Que o princípio da vida política é o poder legislativo.  

Sobre a manutenção das Assembléias é importante: nem subordinar as demais cidades à capital, nem, concentrar em um só ponto. Segundo Rousseau, onde o representado está não existe representante. Faz  contundente crítica quanto à comodidade do povo. Observa que no governo constituído: negócios públicos sobrepõem aos privados. E que os deputados são delegados, não representantes do povo.

Faz uma relação entre povo antigo (se tem o terceiro como escravo) e moderno (se é escravo). Faz defesa de que povo não é representado no legislativo. Que  a representação se faz diretamente no executivo.  E que: se o povo tem representante, não é mais livre. Pondera que a necessidade do governo é executar e ter mais movimento, o que reforça a relação dialética entre povo, soberano e príncipe pela lei. Segundo o mesmo, não há lei do Estado que não possa ser revogada. Alerta sobre risco de o executivo usurpar o poder. Faz referência de que cidadão pode renunciar ao Estado e recuperar sua liberdade natural. Até o pacto pode ser revogado. E observa que os homens simples não se deixam enganar por sutilezas políticas. E que a comprovação da união de um Estado se faz com poucas leis.

Afirma que em um Estado bem constituído: a vontade geral se aproxima da vontade comum. Que um Estado mal constituído: há demasiado embate de idéias, com grande exposição do contraditório, cuja melhor opinião é que vence o embate. Por isso, a vontade geral é capturada. Ressalta o grande problema de o interesse particular sobrepor-se em detrimento da vontade geral. Observa que quanto mais debate, mais ascendência de assuntos particulares. E que, por isso, a forma de tratamento dos assuntos gerais do Estado mostra claramente a saúde do corpo político. Observa no tocante às decisões e ações:1) muita discussão serve para o embasamento das leis. 2) Maior celeridade serve aos negócios públicos.

Disserta sobre a escolha do Governo por sorteio ou sufrágio. Cita o exemplo romano (misto de democracia e aristocracia), a divisão em tribos em raças para localidades: Tribos urbanas e rurais (rústicas). E que os covardes eram das cidades. Roma foi fundada dando mais valor ao campo do que a cidade. Mas, depois, houve a mistura de raças devido aos censores, com a má distribuição das centúrias (forças militares). Com o tempo, houve o distanciamento e deslocamento social a entre cúria (espécie de cúpula dentro das tribos), tribo e divisões militares (centúrias). Que o rico concentrava maior parte das centúrias, dando mais poder beligerante (militar) aos ricos. O pobre, somente uma. Que as divisões foram sendo espelhadas cada vez mais em classes: ricos e pobres. E que a última classe, a de mendigos, ainda sim eram soldados em caso de necessidade para o Estado, mais “dignos” que os proletários. 

Mesmo assim, os costumes (do campo, e seus valores) foram mais fortes do que tais Instituições. Ocorriam as convenções por cúria, centúria e tribo, que eram formas de desorganizar a composição do Estado, já que era um misto de aristocracia e democracia. Havia a representação pelo Senado e pelo povo, visando um conter o outro. As centúrias (100 cavaleiros) – eram favoráveis à aristocracia. A tribo – favorável ao governo popular. Porém, segundo Rousseau, a corrupção foi a ruína de Roma.

Sobre o Tribunato, a composição de tribunais dentro do Estado mediava a relação entre príncipe (executivo) e soberano (legislativo). Pois, impede tanto abusos do executivo, como do legislativo. Mas, serve como aparato conservador das leis e do poder legislativo. Mas, para Rousseau, o Tribunato (justiça), não pode ter muito poder. Ele se degenera pela multiplicação de seus membros. Também defende a importância de intervalos para ocupação dos seus magistrados.

Sobre o Estado de exceção – ditadura, defende que as leis não podem ser um fim em si mesmo. Defende que as Instituições precisam ser suspensas, em caso de necessidade. Que o Estado de exceção é o poder concentrado. Que, devido aos costumes, não se tinha medo do abuso do executivo, mas, que há perigo de se perpetuar numa ditadura. Relata a permissividade de Roma com a ditadura. Observa que a opinião pública é um censor natural. É a opinião e os costumes que fazem os povos.  Defende a ditadura temporária para cumprir determinado objetivo.  

Faz crítica da divisão em dois Estados. Relata que os cristãos foram perseguidos pelos pagãos, mas, movimento teve revés, com a elevação do cristianismo. Faz observação de que a religião de Maomé possui idéias mais sadias. Faz crítica ao cristianismo. Faz menção a Hobbes e defende que existem: 1) Direito divino natural; 2) Direito divino positivo e 3) direito misto. Observa a distinção entre a religião do homem e religião do cidadão - Estado. Faz ainda crítica notória a dois chefes (Estado e religião); cita que o Reino dos Céus não é deste mundo (Hobbes). Faz distinção entre cristianismo do Evangelho e da religião. Critica a resignação cristã – doçura cristã (tudo é a vontade de Deus), e que tal natureza é incompatível com a vigília da República.  E que por isso, os cristãos são feitos para escravos. 

Ao final, defende que o que interessa ao Estado é a “religião civil” – moral e as leis, independente da crença religiosa. Sobre a religião observa a sua conveniência em submeter à política: cada Deus reivindica o seu Estado e não outros povos. Era preciso conquistar o Estado e mudar o culto. Pois ao final, conquistando o Estado e por sua vez, absorvendo seu povo, cada desígnio de “Deus” e religião são seguramente alinhados à lei em questão.





ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Princípios do Direito Político. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. 
HABERMAS, Jürgen. Teoria e Práxis, Estudos de filosofia Social. São Paulo: Editora UNESP, 2013. 


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